A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu, nesta quarta-feira (7), a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra a desembargadora do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) Encarnação Salgado pela venda de decisões judiciais. Além da magistrada, os advogados Edson de Moura Pinto Filho, Klinger da Silva Oliveira e Cristian Mendes da Silva, o empresário Thiago Henrique Caliri Queiroz, o então prefeito de Santa Isabel do Rio Negro (AM), Mariolino Siqueira de Oliveira, e o secretário de Finanças do município, Sebastião Ferreira de Moraes, também foram denunciados pelo MPF.
Na sustentação oral, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos defendeu o recebimento da denúncia e disse que ela “apresenta de forma clara e segura a materialidade e os indícios da autoria dos delitos que culminaram no recebimento da vantagem indevida de R$ 50 mil pela desembargadora Encarnação, em troca da liberação de Carlos Augusto Araújo dos Santos, preso preventivamente pela prática do crime previsto no artigo 304, caput, do Códico Penal, por ter utilizado documento falso para exercer o cargo de secretário de Obras do município de Santa Isabel do Rio Negro”.
O subprocurador-geral salientou que as provas apresentadas no inquérito que deu origem à Ação Penal 896 também fundamentaram outra denúncia (APN 988/DF), oferecida pelo MPF contra a desembargadora, o corréu Klinger e outras 13 pessoas pelos crimes de corrupção passiva e ativa e formação de organização criminosa majorada, também relacionadas a negociações de decisões judiciais, envolvendo integrantes de estrutura criminosa autointitulada Família do Norte.
Carlos Frederico detalhou o esquema de pagamento à desembargadora e reafirmou que as denúncias apresentam sólidos elementos de provas extraídos da interceptação telefônica e do extrato telefônico, que demonstram a concessão de uma liminar mediante promessa de recebimento de vantagem indevida. “Descabida, portanto, a tese defensiva de que a denúncia não demonstra indícios mínimos de autoria e prova de materialidade do delito”, afirmou o subprocurador-geral.
Ele ressaltou que não merece ser acolhido o pedido da defesa da magistrada, sob o argumento de que não houve transações financeiras que a ligassem diretamente aos corruptores, nem patrimônio imcompatível com sua renda. No entanto, segundo o representante do MPF, a denúncia narra expressamente que houve recebimento de propina por Encarnação, intermediada por Klinger Oliveira.
Para Carlos Federico, “o crime de corrupção passiva, nas modalidades solicitar ou aceitar promessa de vantagem, é de natureza formal e o recebimento representa mero exaurimento da conduta e, portanto, dispensável para a consumação do delito”. Ele salientou, ainda, que há provas de que houve aceitação pela desembargadora da vantagem indevida e que o crime foi consumado no momento em que o valor de R$ 50 mil foi estipulado.
“É importante registrar que o fato de não haver transações financeiras ligando diretamente corruptores e a magistrada ou patrimônio incompatível com a renda, no presente caso, não afasta a possibilidade de ocorrência do crime, mas demonstra a sofisticação da empreitada criminosa, como, por exemplo, o pagamento em espécie, dificultando eventuais investigações”, pontuou. Além disso, o subprocurador-geral salientou que nessa fase processual não é exigida a comprovação dos fatos narrados na denúncia.
Nos termos do voto do relator, ministro Raul Araújo, a Corte decidiu, por unanimidade, que o conjunto probatório disponibilizado nos autos “é suficiente para caracterizar os indícios de materialidade de autoria das condutas criminosas”. Dessa forma, o Tribunal rejeitou as preliminares apontadas pela defesa e tornou a desembargadora ré na Ação Penal 896/DF, assim como outros seis acusados de participação no esquema de venda de decisões.
Competência
Outro ponto defendido pelo MPF, e referendado pela Corte Superior, foi a competência do STJ para julgar o caso da desembargadora. Isso porque, devido à aposentadoria compulsória imposta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado, a defesa da magistrada requisitou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
Encarnação Salgado foi condenada à pena de aposentadoria compulsória no âmbito de processo administrativo que investigou a conduta da desembargadora, pela violação dos deveres funcionais na concessão de reiteradas liminares em desacordo com os preceitos da Resolução CNJ 71/2009. A norma dispõe sobre o regime de plantão em primeiro e segundo graus de jurisdição.
Carlos Frederico citou jurisprudência das Cortes Superiores para justificar a manutenção do foro por prerrogativa de função da desembargadora aposentada, apesar da pena administrativa. Para o subprocurador-geral, a Corte deve considerar a influência que poderia ser exercida sob o juiz de primeira instância no curso do processo. “A manutenção do foro no STJ, nesse caso, não configura privilégio pessoal da denunciada, mas respeito à garantia do magistrado de primeiro grau a quem for atribuída a competência para o julgamento da presente ação penal ”.