Um episódio ocorrido no último domingo (30) em João Pessoa terminou com a morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, apelidado de “Vaqueirinho”, após invadir o espaço reservado a uma leoa no zoológico local. A fatalidade escancarou uma história pessoal de abandono, transtornos psicológicos ignorados e carência material absoluta.
Verônica Oliveira, conselheira tutelar que o acompanhou por quase uma década, informou que o rapaz, criado sem suporte familiar e em condições precárias, alimentava a fantasia de viajar ao continente africano para “domar leões”. “Foi uma criança que sofreu todo tipo de violação de direito. Filho de uma mãe com esquizofrenia, com avós também comprometidos na saúde mental, vivia numa pobreza extrema”, descreveu.
O primeiro encontro entre a conselheira e Gerson aconteceu quando ele tinha dez anos de idade. Encontrado andando sozinho em uma rodovia federal, foi levado pela PRF ao Conselho Tutelar. A partir daí, entrou no sistema de proteção à criança e ao adolescente.
A mãe biológica já havia sido destituída da guarda há tempos, mas o filho insistia em procurá-la. “Ele, embora estivesse destituído, amava a mãe e sonhava que ela conseguisse cuidar dele. Evadia do abrigo e ia direto para a casa da avó e da mãe”, contou Verônica.
A genitora, porém, devido à sua própria condição psíquica, não conseguia assumir a responsabilidade e ela própria o levava de volta ao abrigo.
Dentre seus irmãos, Gerson foi o único que não conseguiu ser adotado. “Justamente por ter possível transtorno. A sociedade quer adotar crianças perfeitas, coisa impossível dentro do acolhimento institucional, onde só chegam diante de negligência extrema”, argumentou a conselheira.
Desde a infância, ele repetia o desejo de ir à África para “domar leões”. Verônica relata que esse era um tema frequente em seus diálogos no Conselho. Certa vez, o adolescente invadiu uma área de pistas de um aeroporto. A conselheira divulgou o fato em suas redes: “Você dizia a mim que ia pegar um avião para ir para um safari na África para cuidar dos leões. Você ainda tentou, mas agradeci a Deus quando fui avisada pelo aeroporto que você tinha cortado a cerca e tinha entrado no trem de pouso do avião da Gol. Dei graças a Deus, porque observaram pelas câmeras que havia um adolescente, antes que uma desgraça acontecesse”.
Na avaliação de Verônica, o trágico desfecho do domingo encerra uma vida de desassistência. “A história dele é a de um menino que só queria conhecer a África para domar leões. Percebeu tarde demais que a leoa não era uma gata e que não conseguimos domá-la sem conhecimento. Mas ele não tinha juízo suficiente para isso”, desabafou.
Identificação médica somente na adolescência
A conselheira enfatizou que as intervenções do Conselho Tutelar foram constantes ao longo dos anos e que a confirmação dos transtornos de Gerson só ocorreu quando ele foi inserido no sistema socioeducativo.
“Gerson era visivelmente uma criança com transtornos graves, mas precisou chegar ao sistema socioeducativo para que fosse diagnosticado”, lamentou.
A morte
Neste domingo, Gerson adentrou o recinto da leoa no Parque Arruda Câmara, popularmente chamado de Bica. A prefeitura local, em comunicado, informou que o jovem “escalou rapidamente uma parede de mais de 6 metros, passou pelas grades de segurança, usou uma árvore como apoio e entrou no recinto da leoa”.
A administração municipal afirmou ter aberto investigação para apurar os detalhes do caso, estendeu condolências à família e garantiu que o zoológico opera dentro de todas as exigências técnicas e de segurança previstas. O parque foi fechado logo após o ataque, com a suspensão imediata das visitas. A data de reabertura ainda não foi definida.


