Nesta terça-feira (22), o Ministério Público do Amazonas (MPAM) ouviu o depoimento de uma indígena da etnia Kokama, de 29 anos, que denunciou ter sofrido estupros sistemáticos por policiais durante os nove meses em que ficou presa na delegacia de Santo Antônio do Içá, interior do estado. Ela já estava grávida, pariu, e o bebê permaneceu com ela em cela por quase dois meses enquanto os crimes continuavam. Quatro policiais militares e um guarda municipal cometiam o crime, segundo ela.
A escuta foi realizada na cadeia pública feminina de Manaus, onde ela cumpre pena. A iniciativa foi coordenada pela procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque. A mulher relatou que os abusos eram constantes, incluindo violações coletivas, mesmo com seu filho recém-nascido presente. Disse ainda que não recebeu atendimento médico ou psicológico após o nascimento.
O MP acompanha as apurações nas corregedorias da Polícia Civil e Militar e reforçou o compromisso de assegurar justiça e proteção à vítima, que após o ocorrido tentou suicídio e iniciou quadros de depressão.
A prisão
A indígena foi detida em novembro de 2022, após uma vizinha acionar a PM por suspeita de violência doméstica entre ela e seu companheiro. Na delegacia, descobriram um mandado de prisão contra ela, por suposta participação em um homicídio em Manaus em 2018.
Como não havia cela feminina, ela foi colocada com presos homens e foi quando os abusos começaram. O caso só veio à tona em agosto de 2023, quando ela foi transferida para a prisão feminina em Manaus.
“Ela sofreu agressões físicas, humilhações e estupros coletivos por cinco agentes públicos durante todo o período na delegacia”, diz trecho do processo.
Segundo o advogado Dacimar de Souza Carneiro, os crimes ocorriam em diferentes áreas da delegacia: cela, cozinha e até na sala das armas, muitas vezes com o bebê presente. Devido sua situação, ela deveria estar em prisão domiciliar, o que foi negado. “Os policiais diziam: ‘Aqui quem manda somos nós’”, relata o processo.
Em fevereiro, a defesa moveu uma ação pedindo R$ 500 mil de indenização ao Estado. Há relatos de que um juiz visitou a delegacia em dezembro de 2022, viu as irregularidades e ordenou que ela fosse retirada dali, ordem que nunca foi cumprida.
A vítima também contou que era obrigada a beber com os policiais durante os abusos. Os outros presos não reagiam porque também eram torturados.
A defesa alega que o Estado falhou ao mantê-la em condições desumanas, sem assistência médica, mesmo grávida – situação que, por lei, permitiria prisão domiciliar. Além da indenização, ela pede atendimento médico e psicológico urgente e que o tempo de prisão seja reduzido pelo dobro, devido aos maus-tratos.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) e a Polícia Civil disseram que abriram um procedimento para apurar o caso. A PM informou que o inquérito policial militar está em fase final.
A Defensoria Pública afirmou que soube do caso em agosto de 2023 e imediatamente encaminhou a vítima para a Delegacia da Mulher, onde foi feito exame de corpo de delito.
O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) não se manifestou até o fechamento desta reportagem.