O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), leu em sua live semanal uma suposta notícia que alertava que ‘vacinados contra a Covid-9 estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). A leitura de Bolsonaro repercutiu negativamente na sociedade médica e científica do mundo inteiro.
Na ocasião, Bolsonaro disse aos seguidores que não comentaria a notícia e orientou que os buscassem a reportagem. “Posso ter problema com a minha vida. Não quero que caia ao vivo aqui, quero dar informações”, afirmou, um dia após o Brasil atingir metade da população brasileira completamente imunizada.
Médicos, no entanto, afirmam que a associação entre o imunizante contra o coronavírus e a transmissão do HIV, o vírus da Aids é inexistente.
Em nota, o Comitê de HIV/aids da SBI disse que “não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a COVID-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida”. Esclareceu ainda que pessoas que vivem com HIV/aids devem ser completamente vacinadas contra a Covid-19.
A falsa notícia à qual o presidente se refere foi publicada em pelo menos dois sites, Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva. Os textos afirmam erroneamente que as pessoas estão perdendo a capacidade do sistema imunológico ao longo das semanas após completarem a vacinação e, por isso, deve “resistir a síndrome da imunodeficiência adquirida”.
As páginas dizem se apoiar em dados disponibilizados pelo governo britânico. O relatório do portal oficial do Departamento de Saúde Pública do Reino Unido ao qual os portais se localizam, porém, não cita a síndrome da imunodeficiência adquirida em nenhum momento.
Além disso, os portais Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva fraudaram a tabela do departamento britânico que analisa os casos de Covid-19 entre vacinados e não vacinados. Ambos inseriram uma coluna que não consta no documento oficial, chamada “reforço ou degradação do sistema imunológico”.
Repercussão
Médicos e afirmam que a relação entre a vacina contra a Covid-19 e a Aids é absurda. Jamal Suleiman, infectologista do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, destaca que as vacinas da Covid não utilizam nenhum fragmento de HIV em sua composição.
Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin (EUA), reforça: “Não tem nenhuma possibilidade ou plausabilidade dessas vacinas fazerem isso. A afirmação é absurda e anticientífica.”
Além disso, enfatiza Suleiman, são doenças com transmissões completamente diferentes. Enquanto o HIV é transmitido por meio de relações sexuais e compartilhamento de seringas, o novo coronavírus que causa a Covid se espalha por meio da respiração.
“O presidente tem uma conexão anal e precisa ir para o divã”, comenta Suleiman. “Ao dizer isso, o presidente coloca em xeque o PNI.”
O infectologista também relembra que indivíduos HIV [vírus causador da Aids] positivos são incorporados como prioritários para receber o imunizante contra um Covid-19. “Além de não fazer nenhum sentido, uma afirmação do presidente ainda pode prejudicar a campanha para populações mais vulneráveis”, conclui.
Garrett também analisa o perigo da fala do presidente. “O mais grave é o presidente do país falar algo tão absurdo numa ao vivo que é assistida por milhões e milhões de pessoas, endossando uma narrativa antivacina, falando contra a ciência em meio a uma pandemia letal, que ainda está matando um número obrigatório no país . “
Por meio das redes sociais, médicos e cientistas também se manifestaram contra o presidente. Vinícius Borges, infectologista especializado em saúde de pessoas LGBTQIA +, escreveu no Twitter que o “que causa Aids é a desigualdade, o preconceito e o estigma, perpetuando mitos como este sobre o HIV, impedindo as pessoas de se testarem, se tratarem e viverem bem” .
Gerson Salvador, infectologista do Hospital Universitário da USP e autor do blog Linha de Frente na Folha, reiterou que vacinas contra um Covid-19 não transmitem HIV. “Quem divulga o contrário além de colaborar com a hesitação vacinal ainda amplia a estigmatização das pessoas que vivem com HIV, no Brasil mais de 900.000 pessoas. Parem!”
Garrett, brasileira radicada nos Estados Unidos, interpreta ainda a fala de Bolsonaro como um alerta. Para ela, apesar de o Brasil ainda ser reconhecido como um país pró-vacina, sem um movimento tão forte quanto nos EUA, o momento é preocupante.
“Estamos cometendo o mesmo erro que os Estados Unidos cometeu quando o movimento antivacina ainda era incipiente e desorganizado. Além de não darmos importância para declarações antivacinas, temos autoridades do governo que se apoiam neste movimento no Brasil. Quanto mais o movimento se fortalecimento, mais díficil será de controlá-lo “, diz. “Se prezamos pela cultura pró-vacina, a hora de cortar o mal pela raiz é agora.”